Capítulo 22 - Akio
Quando acordei no dia seguinte, meus olhos estavam pesados, eu tinha a
exata dimensão de que precisaria de ajuda para abri-los, pois o fazia com muito
custo. Estava com muita dor de cabeça e passando mal. Aquele era o primeiro
porre de minha vida e não me lembrava de nada, o que me desesperou quando notei
que eu estava abraçado ao meu irmão, o mesmo todo encolhido em meus braços, com
um sorriso bobo nos lábios enquanto dormia tranquilamente. Nós estávamos
cobertos pelo edredom até a cintura, nus e o corpo dele repleto de marcas roxas
enormes e o meu corpo com marcas de unhas. Céus, o que eu fiz?
Arregalei os olhos incrédulo ao ver o que eu havia feito ao meu pequeno
irmão: eu deixei uma mordida em seu ombro, no mesmo local onde eu havia
recebido a mordida de meu tio, que eu iria carregar em mim pelo resto da vida.
Levei a mão à boca horrorizado comigo mesmo. Ao ver aquilo, flashs vieram a
minha cabeça, flashs da noite passada. Lisa, a bebida, Akio, nós dois juntos...
Eu havia feito a mesma coisa que ele. Eu havia transado com uma criança
como ele fez. Eu havia feito tudo exatamente do jeito que ele havia feito. Não
queria admitir aquilo, mas naquela noite eu simplesmente havia me tornado a
cópia escarrada de meu tio. Aquilo me causou náuseas e me deixou mais enjoado e
agora enojado de mim mesmo. Levantei rapidamente e me tranquei no banheiro,
enfiando a cara no vaso e vomitando tudo o que tinha e até não tinha para
vomitar.
Akio acordou com o meu levantar brusco. Ele então se envolveu no edredom e
foi andando até a porta do banheiro, arrastando o mesmo pelo chão.
-Nii-san... Você está bem? – perguntou
ele com voz sonolenta – Senti sua falta
na cama... Volta logo...
“Senti sua falta na cama” já me foi o
suficiente para sentir mais nojo de mim mesmo e vomitar mais, parando ao não
ter nada mais no estômago, nem mesmo saliva para expelir. Dei a descarga e
escovei os dentes com raiva, sem me importar com as feridas que as cerdas me causavam.
Abri a porta com força e ele estava ali, olhando-me ainda com sono. Eu
ajoelhei-me na frente dele, o segurei pelos braços sem os apertar e perguntei
desesperado.
-Akio! Por favor, me diga o que
aconteceu na noite passada!
-Você não se lembra, nii-san? – ele
abraçou-me, perguntando aquilo como se nada demais tivesse acontecido – Nós nos tornamos um, Fujo. Você não me
rejeitou, você me amou. A noite inteira e foi tão bom... – ele beijou-me
normalmente e eu afastei-me incrédulo.
-Akio! Nós somos irmãos! Você é
homem, pior, você é um garoto e tem somente 11 anos. Onze anos! Eu sou seu
irmão mais velho, tenho o dobro de sua idade! Como você pode ter deixado isso
acontecer, Akio?!
-Mas você estava gostando,
nii-san...
-Eu estava bêbado, pensei que você
fosse a Lisa!
Agora era ele quem me olhava incrédulo, seus olhos marejaram rapidamente e
ele me empurrou, me fazendo cair sentado no chão enquanto corria para fora do
meu quarto, chamando-me de idiota antes de fechar a porta com força.
~~--~~
Capítulo 23 - Pós-tormenta
-Desde então Akio me odeia na frente dos outros, mas
diz que me ama e tenta me seduzir nas horas vagas. Assim passaram-se seis anos
e agora, no presente, com Akio tendo 17 e eu com 28, ele continua insistindo,
alegando que esse tempo todo se entregou somente a mim naquela vez e que nunca
iria olhar para outra pessoa como ele me olha. Por isso ele ficou irritado com
você, Ayako, por estar com ciúmes. Eu o entendo perfeitamente. Ele ficou
incrédulo quando me viu escondido o carregando no colo até meu quarto ontem, só
saindo hoje no fim da tarde. Ele não é bobo, do contrário, é extremamente
inteligente e perceptivo, mas é muito bobinho. Daí meu pai nomeou-me
vice-presidente pouco tempo depois de eu ter terminado a faculdade, alegando
que eu futuramente estarei ocupando o lugar dele e Akio o meu, mas não levo
muita fé nele, nunca gostou nem quer trabalhar.
-Entendo. Puxa, eu não sei o que dizer... Foi muita
informação em um único dia...
-Perdoe-me se eu o assustei.
-Espere... Agora que eu estou me lembrando de uma
coisa!
-O que foi?
-Essa Lisa que você namorou por um acaso não é a mesma
da---
-Recepção? É ela mesma.
-CÉUS! O que houve? Vocês ainda se falam?
-O marido dela descobriu o golpe ano passado, quando o
filho fez cinco anos. Ele a expulsou de casa com uma mão na frente e outra
atrás, deixando apenas o filho ter acesso a sua fortuna. Ela veio pedir-me
ajuda e eu resolvi oferecer um emprego na empresa como recepcionista. Não teria
coragem de deixa-la com as mãos abanando. Ela tem que se sustentar de algum modo
se quiser que a justiça mantenha seu filho em sua casa e não mande para a do
pai.
-Pensei que guardasse mágoa dela.
-E guardo. Mas se eu não fizesse isso, ela não seria a
única prejudicada.
-Você é tão bondoso, Fujo... Acho que fiquei mais
apaixonado depois de ter me contado sua história.
-Por quê?
-Porque você confiou em mim e me contou todo o seu
passado. Não sabe como isso me deixou feliz, Fujo...
-Você se sente feliz à toa, garoto.
-Eu te amo, Fujo...
Eu o fitei com a sobrancelha arqueada, que tanto ele
dizia que me amava? Deixei que o mesmo chegasse perto de mim e me roubasse um
beijo, aconchegando-se em meu pescoço e, o que me surpreendeu mais foi o fato
dele ter puxado a gola de minha camisa e beijado a marca da mordida de meu tio.
Um beijo demorado, terno e carinhoso. Eu apenas envolvi meus braços na cintura
dele, puxando-o fortemente para mim num abraço, o sentando atravessado em meu
colo, repousando a cabeça no pequeno e fino ombro dele. Mesmo apesar de tudo o
que eu havia contado ele não hesitou em me beijar, ele não pensou duas vezes
antes de se aproximar, nem temeu na hora de sorrir.
Ele sabia que a história de minha vida não era algo
feliz de se contar, mas ele não saiu correndo horrorizado nem nada do tipo. Ele
aceitou-me do jeito que eu sou e com o passado que eu tenho. Ainda me sentia
machucado e inseguro demais para amar, como se estivesse a pisar em ovos todas
as vezes que me apaixonava, com medo de acontecer a mesma desilusão de antes
quando eu mergulhar de cabeça, preferindo, no fim, me retrair e isolar, não
deixando que ninguém se aproximasse com segundas intenções. Daí o motivo de ser
frio e inexpressivo, apenas um modo que encontrei de me proteger. Um escudo
que, aos poucos, era ultrapassado por uma criança. Eu estava ficando com febre,
ou até mesmo louco, só pode ser.
-Eu também te amo, Ayako.
Capítulo 24 - Adicionando Arte
Dia 15 de janeiro. Meu último Natal foi bem
conturbado, aconteceram várias coisas. Contudo, o ano novo foi tranquilo. Virei
com minha família, como tradição e Fujo deve ter virado trabalhando, como
sempre. Eu estava de férias, mas ele não. Ele não se permite tirar férias. As férias
dele chamam-se “sábados, domingos e feriados em casa trabalhando” e o trabalho
chama-se “segundas a sextas trabalhando na empresa.”. A empresa não abre nos
primeiros 15 dias, dando folga a todos, portanto, dia 15 era a volta de todo o
recesso deles. Presente do presidente Daiki-san aos funcionários e a ele mesmo,
claro. Mas nesse recesso eu ia esporadicamente a casa de Fujo, as vezes até
mesmo com meus pais.
Eu estava saindo do elevador e indo em direção ao
escritório de Fujo, bati duas vezes na porta, como sempre, e entrei sorrindo
acompanhando do meu costumeiro “bom dia”. Desta vez ele não estava trabalhando,
mas sim tirando a poeira do escritório, já que as moças da faxina iriam demorar
até chegar ao último andar, pois estavam começando pelo primeiro. No banheiro
estava Lisa-san, passando um pano no mesmo, não caprichando muito, pois a
faxineira daria conta disso, era apenas para não fazer feio caso uma visita
inesperada viesse e encontrasse tudo empoeirado.
Fujo passava um pano em sua mesa e cadeiras, tirando a
poeira das mesmas, a parte dos sofás já estava um pouco limpa, mas as estantes
de livros eram espanadas por um rosto novo a meu ver. Quem era? Seria um
funcionário novo? Ele era alto, porém não tanto quanto Fujo; tinha cabelos
castanho-claros, olhos azuis como os de Fujo, e parecia ser mais extrovertido,
pois estava cantarolando com um sorriso bobo nos lábios. Quando os três ouviram
o meu bom dia, olharam na direção de minha voz, respondendo em uníssono ao
cumprimento.
-Ayako-chan, como foi seu ano novo? – perguntou Lisa
interessada.
-Foi ótimo, obrigado. E o seu, Lisa-chan?
-Ah, foi ótimo também, só eu e meu lindo filho.
Perfeito! – ela apertou minhas bochechas.
-A-ah... Que bom... – respondi sem jeito olhando para
o desconhecido até ela perceber e chamar atenção dele.
-Bem, já que o Fujo não lhe apresenta... – o
desconhecido veio saltitante até Lisa – Este é Goro Daiki, primo de Fujo. – ela
o apresentou sorridente. – Goro-kun, este é Ayako-chan.
-M-muito praz—
-O prazer é todo meu, Ayako-chan! Como está? Veio nos
ajudar? Ah que bom, assim acabamos mais rápido! Vamos, pegue o espanador e...
-Goro. – Fujo chamou com uma veia saltada na testa. –
Não percebe que está assustando o garoto?
-Uh? – ele fitou-me vendo que eu estava um pouco assustado
com o jeito elétrico dele. – Oh, me perdoe, jovem. É que sou um pouquinho
agitado, sabe? Hehe
-“Pouco”? – Perguntaram Lisa e Fujo em uníssono.
-Hehe... Não ligue para eles.
Ele respondeu os fitando sério. O primo de Fujo
parecia ser bem animado mesmo, o contrário de meu namorado. Ele parecia ser
alegre pelos dois. No final acabou que Goro me fez sentar no sofá e esperar a
limpeza ficar pronta. Lisa-chan desceu para a recepção despedindo-se de nós
três.
-Goro-san, quantos anos você tem? – perguntei curioso.
-Tenho 36, por quê, meu bem? – ele perguntou
sorridente.
-T-trinta e seis?!!
Não acreditei. Goro parecia ser bem mais novo que
Fujo, talvez pelo seu semblante alegre, isso deve deixa-lo mais jovial. Conversamos
um pouco enquanto Fujo dava atenção ao computador como sempre. Descobri que
Goro-san é filho da irmã da senhora Daiki, mãe de Fujo, com um caso de beira de
estrada, já que ela viajava muito pelo mundo antes de engravidar, o que me fez
desaparecer a dúvida caso ele fosse ou não filho daquele tio monstruoso que
Fujo teve. Descobri também que Fujo e Goro, apesar da diferença de
personalidade, são bem próximos e se dão muito bem, pois conviveram juntos
desde que o primeiro nasceu, já que no caso o segundo tinha 8 anos, na época.
Por fim descobri que ele não via Akio desde os 13 anos, quando se mudou para o
interior, em busca de inspiração para as suas pinturas. Sim, ele era pintor e
nunca foi muito ligado a essas coisas de tecnologia (celular, computador, etc),
falando quatro ou cinco vezes ao ano com Fujo por um orelhão da cidade.
-Ah, como deve estar meu priminho Akio? Da última vez
em que eu o vi ele era do seu tamanho, Ayako-chan.
-Não se preocupe, ele não cresceu muito, Goro.
Continua o mesmo bebezão emburrado de sempre. – respondeu Fujo, mostrando que
ele prestava atenção esse tempo todo na conversa.
-Ah, não fale assim de seu irmãozinho, Fu-chan.
-“Fu-chan”? – repeti em tom cômico.
-Quantas vezes já lhe disse para não me chamar mais
assim? – ele retrucou irritado.
-Você era uma graça quando deixava eu te chamar assim,
ficava todo vermelhinho! Oh! O que é isso em suas bochechas? Você está ficando
vermelho de novo, Fu-chan? Owwwwn, que amor...
Goro juntou as mãos, encostando a cabeça nas mesmas
enquanto se aproximava no intuito de apertar as bochechas de Fujo, que nada fez
além de pegar o estilete em meio as canetas e lápis que estavam num copinho,
fazendo Goro afastar-se.
-Ok, ok. Amigo, amigo... Bem, vou falar com o senhor
presidente. Até!
Com o passar da tarde Fujo contou-me que Goro voltou
do interior no intuito de atualizar-se e procurar agora inspiração urbana para
suas artes, pois já estava entediado da área rural. A senhora Daiki, ao saber
que seu sobrinho estaria voltando, mandou preparar um quarto para ele em sua
casa e assim o hospedou. Já o senhor Daiki ofereceu um emprego na empresa para
que ele se sustentasse enquanto ficava aqui, mas que iria primeiro avalia-lo
para saber qual cargo seria justo para ele ocupar, sem regalias a ele por ser
da família. Todos deviam batalhar para terem o cargo que desejam, como foi com
Fujo, que começou como reles secretário do pai.
Ao que parece Goro e o senhor Daiki passaram a tarde
discutindo os defeitos e qualidades do primeiro, tentando achar uma área que
ele fosse mais compatível e, quando isso aconteceu, Goro entrou saltitante pela
sala de Fujo, comemorando por ser o novo representante da área de marketing da
empresa. Não era o chefe, mas sim mais um entre vários que teria que fazer a
diferença para ser promovido, mas ele parecia não ligar muito para o cargo, já
estava feliz em ter sido contratado.
-Parabéns, Goro-san.
-Ah, obrigado, Ayako-chan – ele me pegou pelas mãos,
girando junto comigo – sinto-me tão inspirado que vou agora comprar telas,
tintas e pincéis para poder pintar!
-Não trouxe seu material?
-Deixei para trás. – dizia aproximando-se de Fujo e
pegando a carteira do mesmo em cima da mesa sem que ele percebesse - para poder
começar uma nova fase junto com novo material! – Pegou o cartão de crédito
dele, devolvendo a carteira e já se dirigindo até a porta, falando rápido e de
uma só vez – Obrigado-Fujo-pelo-cartão-amanhã-eu-devolvo-beijos-Tchaaaaau! ♥
E então ele fechou a porta com Fujo a fitar a mesma
como se ainda estivesse assimilando e tentando entender o que ele havia falado.
Quando ele captou a mensagem, pegou rapidamente a carteira conferindo seus
cartões e notando a ausência de um. Fujo bateu na mesa, bufando e gritando o
nome do primo, correndo atrás do mesmo.
-GORO! Volte aqui!
A única coisa que eu conseguia fazer era rir sem
parar. Em apenas um dia Goro conseguiu tirar Fujo da frente do monitor e de
seus trabalhos antes da hora habitual. Pude sentir que se Fujo não tirar
férias, Goro trará as mesmas a ele.